Atualmente instalada na LX Factory, a Ler Devagar celebrou, no mês de junho, 20 anos de uma história em constante mudança.

Por Bruna Ferreira e Mariana Tiago

Criada por um grupo de amigos que desejava ver temas importantes da sociedade debatidos à volta de livros, a Ler Devagar abriu portas no Bairro Alto em 1999. O grupo, com membros de diversas áreas profissionais liderado por José Pinho, decidiu ocupar as instalações da antiga Litografia de Portugal, situada no cimo da Rua de S. Boaventura, em Lisboa.

Em entrevista, João Seixas, um dos fundadores da livraria, revelou-nos que o Bairro Alto era o “epicentro da vida cultural lisboeta” e, por isso, fazia sentido abrir nesta zona de Lisboa e usufruir do grande e alto edifício da antiga litografia.

Este primeiro espaço funcionava, à semelhança da atual Ler Devagar, como centro cultural e galeria de arte. Ali acontecia um pouco de tudo: debates, teatros, concertos, lançamentos de livros e apresentações de dança. O espaço amplo contava ainda com bar, café, e zona para crianças.

Apesar do sucesso, José Pinho e os colegas viram-se obrigados a fechar portas na Rua de S. Boaventura quando, em junho de 2005, os proprietários decidiram transformar o edifício num condomínio de habitação. De acordo com o noticiado pelo Público em junho de 2005, a livraria tinha até 31 de agosto do mesmo ano para desocupar o espaço. Por isso, os administradores começaram a procurar novas instalações.

Passados 15 anos, nada foi construído no local e o prédio, casa da livraria nos primeiros seis anos, ainda não foi totalmente demolido.

Muitos livros e pouco espaço

Depois de um ano e meio fechada, a livraria reabriu no piso térreo da Galeria Zé dos Bois (ZDB), também no Bairro Alto, em fevereiro de 2006.

A oportunidade de mudança deveu-se a uma proposta de Natxo Checa, um dos fundadores da galeria e amigo dos fundadores da Ler Devagar.

José Pinho afirmou ao Público, em abril de 2006, que foi necessário que a livraria se adaptasse “não só ao espaço, bastante mais pequeno, mas também à própria filosofia da ZDB, uma galeria direcionada para as artes performativas”. O objetivo dos fundadores da livraria foi reproduzir o espaço inicial numa versão miniatura. Apesar de solucionar a situação, o primeiro local da Ler Devagar provocou, segundo João Seixas, uma certa “nostalgia do espaço-mãe”.

Na época, a ZDB (fundada em 1994) já era relevante no meio da literatura, arte e cultura. Atualmente, mantém-se como galeria de arte e de música alternativa, e destaca-se como espaço cultural de referência.

A janeiro de 2007, por falta de espaço na ZDB, a Ler Devagar inaugurou uma outra loja na Rua da Rosa, também no Bairro Alto. Assim, ocupava duas instalações em simultâneo: a ZDB (com livros de arte e cultura) e o espaço na Rua da Rosa, onde, de acordo com o noticiado pelo Jornal de Notícias no dia 20 de janeiro de 2007, os responsáveis queriam realçar os debates e os eventos característicos da livraria.

Duas livrarias, uma só morada: a passagem por Braço de Prata

Motivados pela falta de espaço, os fundadores da Ler Devagar procuraram outra casa para os livros. Em 2007 transitam para a Fábrica de Braço de Prata, antiga fábrica de armamento e material de guerra.

A mudança obrigou a uma parceria com a Eterno Retorno (livraria de filosofia). Em entrevista, Nuno Nabais, fundador da livraria de filosofia, afirmou que a Ler Devagar, ainda com o objetivo de ter livros até ao teto, “esteve a ocupar três salas que, entretanto, foram remodeladas e se chamam Sala Saramago, Prado Coelho e Kafka”. A ideia era a Ler Devagar usufruir de uma área específica, enquanto a Eterno Retorno explorava as outras.

Atualmente, a fábrica funciona como centro cultural e inclui uma livraria, galerias de arte, salas de cinema, teatro e de espetáculos musicais.

Ler e pedalar: a última morada

A estadia da Ler Devagar na Fábrica foi problemática, porque o espaço era gerido em conjunto. As duas livrarias tinham, segundo João Seixas, “visões diferentes do mundo, dos livros, e do que deve ser um centro cultural”. A incompatibilidade ditou a separação das livrarias, que se efetivou com a transferência da Ler Devagar para as instalações da LX Factory (Alcântara) onde se mantém até hoje.

Antes de ser o centro cultural e artístico atual, o espaço era explorado por um conjunto de fábricas que contribuíram para o desenvolvimento industrial da cidade no século XX. Em 2009, os donos decidiram promover o espaço de forma moderna e convidaram a Ler Devagar para se instalar no edifício abandonado da antiga Gráfica Miranda.

O espaço sofreu obras durante cerca de 9 meses e foi inaugurado a 23 de abril de 2009, Dia Mundial do Livro. Manteve-se, porém, a máquina onde se produziam jornais. As instalações, segundo João Seixas, iam ao encontro daquilo que queriam para a “cidade do futuro”: “multifunções, como a cidade”. Com mais espaço para eventos, debates e arte, a Ler Devagar voltou a ter uma grande afluência de pessoas e, para Seixas, “foi quase como se fosse o princípio, há 20 anos no Bairro Alto”. Considerada, pela publicação americana Flavorwire, uma das livrarias mais belas do mundo, a Ler Devagar é hoje um dos centros culturais mais importantes da cidade de Lisboa.