A ideia da Óbidos Vila Literária (OVL) surgiu da livraria Ler Devagar, pela mão de José Pinho, depois de ter sido desafiado a criar diversos locais culturais espalhados pela vila de Óbidos, em edifícios que estavam em ruínas e completamente abandonados. A ousadia valeu-lhe em 2015 a classificação atribuída pela UNESCO de Cidade Criativa da Literatura em Portugal.

Por Maria Castanheira e Tomás Lopes

Ser uma vila com apenas dez mil habitantes não impediu Óbidos de ser a primeira Cidade Criativa da Literatura em Portugal. Com 11 espaços literários, que vão desde livrarias a museus, galerias, hotéis e restaurantes, é um exemplo de como a cultura pode desenvolver economicamente um território.

“A estratégia OVL é o resultado de um processo que iniciou muito antes”, explica Paula Ganhão, responsável da Câmara Municipal de Óbidos pela implementação do projeto, acrescentando que, quando tudo começou, o título de Cidade Criativa da Literatura não estava no horizonte. “Primeiro começámos com a organização de eventos temáticos, em 2002, como forma de atrair visitantes a Óbidos em períodos de época baixa.” Anos mais tarde, em 2012, Óbidos lançou a maior livraria portuguesa dentro de uma igreja e iniciou-se uma estratégia de atração turística com uma nova configuração entre espaços e atividades.

 “O grande problema que sentíamos era que tínhamos muitos excursionistas – vinham, ficavam 45 minutos e iam embora. Precisávamos de atrair turistas que permanecessem mais de 24 horas, ficassem nos nossos hotéis e consumissem os nossos bens”, continua.

Partindo do que já vira no País de Gales, em Hay-on-Wye, José Pinho, um dos fundadores da Ler Devagar e seu administrador, sugeriu fazer de 11 lugares abandonados locais literários e criar uma “cidade do livro”. O sonho não ficou por aí. Seguindo o seu instinto, propôs aliar a abertura das livrarias à realização de festivais literários, inspirando-se no festival brasileiro FLIP – Festa Literária Internacional de Paraty.

“A probabilidade de levarmos pessoas às livrarias seria maior se todos os meses tivéssemos algo a acontecer em Óbidos”, afirma José. O município é já conhecido por comemorações como o Festival de Chocolate, o Mercado Medieval, a Vila Natal e a Semana Santa que atraem centenas de milhares de turistas. “Nos meses em que não houvesse eventos, fazíamos um festival literário”, explica, de modo a manter uma procura turística constante.

Atualmente, são dois os grandes eventos organizados todos os anos no âmbito da Óbidos Vila Literária: o FOLIO – Festival Literário Internacional de Óbidos, e o Latitudes – Literatura e Viajantes. Porém, o objetivo é criar mais eventos literários ao longo do ano, de menor dimensão, segundo Paula Ganhão.

A iniciativa permitiu elevar a vila “a um nível e a um posicionamento cultural absolutamente ímpar, que nenhum outro evento e nenhuma outra estratégia desenvolvida em Óbidos na área da cultura conseguiu”, avança. O sucesso foi tal que, detalha a responsável, passou a ser a base de toda a estratégia da vila para as vertentes cultural e turística.

Paula Ganhão garante ainda que este tipo de eventos atrai a Óbidos um outro perfil de turista, de um segmento diferente do perfil de visitante de eventos como o Festival do Chocolate ou a Vila Natal, mais massificados. Na sua perspetiva, o turista “literário” vem das grandes cidades, “tem formação académica superior e é de uma classe social média-alta, o que em termos de consumo é muito bom”.

No entanto, a responsável nota que começa a existir a ideia de que o projeto é programado para uma certa elite e, nesse sentido, aponta que “ultrapassar essa ideia” é “um outro desafio”. Para combater esta conceção, a organização promove o envolvimento dos munícipes no projeto através, por exemplo, da implementação de cursos de formação com o objetivo de exponenciar a sensibilidade cultural nos residentes.

O financiamento é um dos desafios que têm pautado o trajeto da iniciativa. O fundador da Ler Devagar fala de um “processo lento” e remata: “inicialmente, dizem-te não, depois talvez e, no final, vamos lá nessa! Quando começam a ver que funciona, acreditam mais no projeto. Alguns vaticinaram, no começo, que só chegávamos ao terceiro ano”.

O futuro da Vila Literária de Óbidos

Sobre a relação da Ler Devagar com o projeto em Óbidos, José Pinho considera que a livraria tem sido o motor; no entanto, para o fundador, está na altura de deixar de o ser: “ao contrário de muita gente, eu acho que nós já cumprimos a nossa parte, por isso, era bom que houvesse outras pessoas para continuar o projeto”.

Inicialmente circunscrito à esfera dos espaços públicos, à responsabilidade do município, o sonho cresceu e foi acolhido pelas primeiras entidades do setor privado que se juntaram à iniciativa, permitindo alargar a vila literária. “Outras empresas privadas começaram a abraçar esta estratégia e também abriram negócios utilizando o livro como meio de promoção”, concretiza Paula, dando como exemplo o The Literary Man – Óbidos Hotel, cujas paredes, logo desde a entrada, estão literalmente forradas a livros.

Para José Pinho, a entrada de privados no projeto é fundamental para o imunizar à volatilidade dos ciclos políticos, fazendo com que a iniciativa continue, mesmo que, “de um dia para o outro”, a política autárquica deixe cair o projeto da estratégia turística e cultural.

Paula Ganhão aponta um caminho semelhante, identificando que o “próximo grande passo” consiste em ter “entidades privadas a programarem para a área da literatura”. E conclui: “alimentar esta estratégia e torná-la independente da Câmara Municipal é o nosso desafio”.